Daniel C. de Morais
FilhoCampina
Grande.PB
O simples aspecto da mulher, revela que
ela não é destinada nem aos grandes trabalhos intelectuais, nem aos grandes
trabalhos materiais. Schopenhauer em As Dores do Mundo
(Esboço acerca das
mulheres).
Mas quando uma pessoa pertencente ao sexo no qual, de acordo com nossos
costumes e preconceitos, é forçada a enfrentar infinitamente mais dificuldades
do que os homens para familiarzar-se com essas pesquisas dificílimas, e consegue,
com êxito, penetrar nas partes mais obscuras delas, tendo, para
isso, de superar todas essas barreiras, então essa pessoa tem, necessariamente,
a mais nobre coragem, os mais extraordinários talentos e uma genialidade
superior. Gauss, numa carta a Sophie
Ciermain, referindo-se ao trabalho dela.
Introdução
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Na Matemática a maioria das histórias que se contam são sobre
matemáticos. Todos os teoremas que conhecemos em nível de primeiro e segundo
graus têm nomes de matemáticos, e assim por diante, num etc. e tal inteiramente
masculino.
Em vista desse fato é natural que nossos estudantes se perguntem: sendo
a Matemática uma ciência tão antiga, será que só homens se dedicaram a ela? Será
que nenhuma mulher conseguiu registrar seu nome na Matemática? Ou será que o
pensamento matemático, com sua abstração e lógica, é apenas
compatível com o raciocínio masculino, afastando as mulheres dessa
área?
Nosso objetivo aqui é mostrar que as respostas a essas perguntas são
negativas. De acordo com nossas possibilidades, tentaremos resgatar um pouco da
história feminina na Matemática. Detalharemos alguns fatos da biografia de
mulheres intrépidas e notáveis, que superaram preconceitos, venceram obstáculos
e conseguiram chegar, na Matemática, onde poucos homens chegaram.
Antiguidade
Hipatía de
Alexandria
A primeira mulher da qual nos chegou registro de ter trabalhado e
escrito em Matemática foi a grega Hipatia.
Ela nasceu em Alexandria por volta do ano 370. Da sua formação, sabe-se
apenas que foi educada por seu pai, Teon, que trabalhava no famoso Museu de
Alexandria. Ele ficou conhecido por seus comentários sobre o Almagesto
de Ptolomeu, e por uma edição revista dos Elementos de
Euclides que serviu de base às edições posteriores dessa obra. Apesar de nenhum
fragmento de seus escritos ter sido preservado, parece que ela deve ter ajudado
seu pai nesse trabalho. Acredita-se também que Hipatia escreveu comentários
sobre As Secções Cônicas de Apolônio, sobre a
Aritmética de Diofanto e sobre o Almagesto Ela
também inventou alguns aparelhos mecânicos e escreveu uma tábua de
astronomia.
Hipatia destacou-se por sua beleza, eloqüência e cultura.
Tornou-se uma filósofa conhecida, chegou a ser diretora da escola Neoplatônica
de Alexandria e ministrou aulas no Museu de Alexandria. Entretanto, sua
filosofia pagã (séculos depois ainda seria acusada de
bruxa) e seu prestígio suscitaram a inveja de seus opositores.
O fim dessa mulher foi trágico e triste. Hipatia foi envolvida na
disputa em que se encontrava o poder político e religioso de Alexandria e foi
acusada de não ter querido reconciliar as partes. Isso foi o suficiente para
incitar a fúria de uma turba de cristãos fanáticos. Um dia, ao chegar em casa,
Hipatia foi surpreendida por essa turba enfurecida, que a atacou, a despiu e
esquartejou seu corpo, matando-a de uma forma grotesca.
Com a morte de
Hipatia, em 415, finda-se a gloriosa fase da Matemática alexandrina. A
Matemática na Europa Ocidental entraria numa profunda estagnação, na qual nada
mais seria produzido durante mil anos.
Do Século V ao séculoXVIII
Após a morte de Hipatia existe um vazio de doze séculos em que nenhuma
mulher teve seu nome registrado na história da Matemática.
Convém ressaltar, entretanto, que durante esse período mulheres
colaboraram em cálculos astronômicos e vános matemáticos famosos, tais como Viète,
Descartes e Leibniz, foram convidados para serem professores de algumas nobres
em suas cortes.
SÉCULO
XVIII
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Maria Gaetana Agnesi
Agnesi nasceu em Milão, no ano de 1718. Garota precoce e inteligente,
teve uma educação esmerada, orientada por seu pai, professor de Matemática na
Universidade de Bolonha. Ele apresentou sua filha nas reuniões que organizava,
onde se encontravam acadêmicos, cientistas e intelectuais renomados. As
discussões nessas reuniões, que estavam em moda naquela época, se davam em
latim, mas, se algum estrangeiro se dirigia a ela, prontamente respondia-lhe na
sua própria língua. Ela era uma poliglota fluente. Já aos onze anos, falava
latim e grego perfeitamente, além de hebraico, francês, alemão e
espanhol.
Agnesi conhecia a Matemática de sua época. Tinha estudado os trabalhos
de Newton, Leibniz, Euler, dos irmãos Bernoulli, de Fermat e de Descartes, além
de ser versada em Física e em vános outros ramos da ciência.
Aos 20 anos publica um tratado escrito em latim, Propositiones Philosophicae, no qual insere várias de suas teses e defende a educação
superior para mulheres. Nesse período ela decide dedicar-se à vida religiosa e
entrar para uma ordem. Com a oposição de seu pai a essas idéias, o máximo que
consegue é convencê-lo de não mais freqüentar suas reuniões acadêmicas, onde era
exibida como um prodígio intelectual, e de ter uma vida reservada e
simples.
Entretanto,
antes de definitivamente abraçar a vida religiosa, Agnesi passaria dez anos de
sua vida dedicados ao estudo da Matemática e escreveria sua obra magna, a
Instituzioni Analitiche ad uso delia Gioventú. Esse foi um dos primeiros
textos de cálculo escrito de forma didática. A obra consiste em quatro grandes
volumes, abordando tópicos de Álgebra, Geometria Analítica, Cálculo e Equações
Diferenciais. Os volumes, publicados em 1748, somam mais de 1000 páginas. Com
esse trabalho obteve aclamação imediata. Um comitê da Academia de
Ciências da França encarregado de avaliar a obra, declarou: "Este trabalho
caracteriza-se por sua organização cuidadosa, por sua clareza e precisão. Não há
nenhum outro livro, em qualquer língua, que possa permitir ao leitor penetrar
tão profunda ou rapidamente nos conceitos fundamentais da análise Nós o
consideramos como o mais completo e o melhor em seu gênero".
Em 1775 esse trabalho era publicado em francês por decisão de uma
comissão da Academia Real de Ciências, da qual participavam os matemáticos
d'Alambert e Vandermonde.
A notoriedade de Agnesi espalhou-se rapidamente. Embora não fosse aceita
na Academia francesa, já que nem poderia ser indicada por ser mulher, a Academia
Bolonhesa de Ciência a aceitou como membro. Em 1749, o papa Benedito
XIV
confenu-lhe uma medalha de ouro e uma grinalda de flores de ouro com pedras
preciosas pela publicação de seu livro e a indicou como professora de Matemática
e Filosofia Natural da Universidade de Bolonha, cátedra que nunca chegou a
assumir.
Em 1762, a Universidade de Turim pede sua opinião sobre um trabalho de
Cálculo das Variações escrito pelo jovem Lagrange. Entretanto esses assuntos já
não mais a interessavam. Desde 1752, após a morte de seu pai, ela tinha
abandonado a Ciência e assumido a vida religiosa. Não se tornou uma freira, mas
vivia como uma delas. Fundou uma casa de caridade, isolou-se da família, fez
voto de pobreza e seu único objetivo foi dar aulas de catecismo e cuidar dos
pobres e doentes de sua paróquia, trabalho esse que só cessaria com sua morte,
em 1799, aos 81 anos de idade.
Infelizmente Agnesi, que muitos nem imaginam ser uma mulher, ficou
apenas conhecida por uma curva de terceiro grau, que leva seu nome, a chamada
"Curva de Agnesi".
Sophie
Germain
Sophie nasceu em uma abastada família francesa, em Paris, em abril de
1776. Aos 13 anos, enquanto na França explodia a Revolução, ela confinou-se na
imensa biblioteca da família. Foi nesse período que ela leu a biografia de
Arquimedes e o episódio de sua morte durante o cerco romano a Siracusa, enquanto
estava absorto desenhando figuras geométricas na areia. Esse fato a fascinou de
tal maneira que decididamente optou pela Matemática.
Após tornar-se autodidata em grego e latim, estudou os trabalhos de
Newton e de Euler. A oposição de seus pais foi imediata. Eles fizeram de tudo
para persuadir a filha a não seguir a carreira matemática: tiraram a luz do seu
quarto, confiscaram o aquecedor..., mas Sophie, persistente, continuava
estudando à luz de velas, escondida embaixo dos cobertores. Sua determinação foi
tanta que derrotou a oposição dos pais, que acabaram liberando seu acesso aos
livros de Matemática da família.
Mas a biblioteca tornou-se pequena para o seu desejo de aprender. Em
1794, a até hoje célebre École Polythecnique foi inaugurada em Paris, mas Sophie
não pôde cursá-la por ser mulher. Mesmo assim, conseguiu umas notas de um curso
de Análise que Lagrange acabara de ministrar naquela instituição. Fingindo ser
um dos alunos da École, sob o pseudônimo de M. Le
Blanc, Sophie submeteu a Lagrange umas notas que tinha escrito sobre Análise.
Lagrange ficou tão impressionado com o artigo que procurou conhecer seu autor.
Após descobrir a sua verdadeira autoria, tornou-se a partir daí seu mentor
matemático.
Sophie manteve contato com vários cientistas. Sua correspondência com
Legendre foi bastante volumosa e numa segunda edição de seu livro Essai sur le Théorie des Nombres ele incluiu vánas
descobertas que ela tinha relatado em suas cartas.
Em 1804, após estudar o Disquisitiones Arithmeticae de Gauss, ainda escondida na figura de M. Le Blanc, ela
começa a corresponder-se com ele. Em 1807 as tropas de Napoleão invadem
Hannover, uma cidade perto de onde Gauss estava. Temendo pela segurança de Gauss
e relembrando o episódio da morte de Arquimedes, Sophie consegue obter de um
general que comandava o exército e era amigo da família, a promessa de
mantê-lo a salvo. Um enviado do general, ao chegar até Gauss, mencionou que
estava ali para protegê-lo graças à intervenção de Mademoiselle Germain.
Criou-se uma enorme confusão na cabeça de Gauss, pois seu correspondente
francês era o senhor Le Blanc, e não uma mulher desconhecida. Após toda a
verdade ser desvendada e os fatos esclarecidos, Gauss escreve a sua protetora
uma carta de agradecimento na qual externa o seu espanto pela verdadeira
identidade do seu correspondente e aproveita o ensejo para elogiar a coragem e o
talento de Sophie para estudar Matemática.
Anos mais tarde, Gauss tentou convencer a Universidade de Göttingen a
conceder-lhe um doutorado honoris causa,
mas ela morreria antes que isso pudesse
ser realizado.
Sophie resolveu alguns casos particulares do "Ultimo Teorema de Fermat"
e em 1816 ganhou um concurso promovido pela Academia de Ciências da França,
resolvendo um problema, proposto na época, sobre vibrações de membranas. De suas
pesquisas nessa área nasceu o conceito de curvatura média de superfícies, que é
hoje objeto de pesquisa de vários matemáticos na área de Geometria Diferencial.
O trabalho premiado de Sophie recebeu elogios de Cauchy e de Navier. Suas ideias
sobre elasticidade foram fudamentais na teoria geral da elasticidade, criada
posteriormente por esses matemáticos e também por Fourier.
Além de Matemática, Sophie estudou Química, Física, Geografia, História,
Psicologia e publicou dois volumes com seus trabalhos filosóficos, um dos quais
mereceu o elogio de Auguste Cotnte. Ela continuou trabalhando em Matemática e
Filosofia até sua morte, em 1831.
Embora com algumas falhas matemáticas, devido talvez a seu autodidatismo
e a seu isolamento do meio matemático, Sophie Germain foi sem dúvida a primeira
mulher a fazer um trabalho matemático inédito e de relevo.
Mary Fairfax Greig
Somerville
Somerville nasceu na Escócia, no ano de 1780, e não teve educação
escolar até os 10 anos de idade, quando foi mandada para uma escola onde
aprendeu o que seria suficiente para a educação de uma mulher da sua época, mas
isso não a satisfez.
Aos 13 ou 14 anos de idade Somerville viu um problema de
Álgebra elementar que com frequência aparecia
nas revistas de moda feminina da época. Ficou curiosa para saber o que
significavam aqueles símbolos, mas apenas conseguiu descobnr que se tratava de
um certo tipo de Antmetica que usava letras em vez de números.
Casualmente ouviu falar dos Elementos de
Euclides, um livro que podena iniciá-la na Matemática. Todavia era difícil
conseguir um exemplar, pois não era decente para uma mulher chegar numa Hvrana e
comprar um livro de Matemática! Finalmente, por intermédio de seu irmão mais
novo, conseguiu um exemplar, não só dos Elementos, mas
também da Álgebra
de Bonnycastle, livros usados nas escolas naquele tempo. Daí por diante,
foi apenas estudar e aprender.
Seu pai irritou-se e tentou proibir seus novos estudos
"masculinos". Mas Somerville decidiu dedicar-se totalmente à Ciência. Estudou o
Principia de Newton, Astronomia física e Matemática
superior.
Publicou vános artigos sobre Física expenmental e a pedido de amigos
cientistas, aos 51 anos, escreveu um prefácio elucidativo e traduziu para o
inglês o fabuloso e obscuro tratado de Laplace, Mécanique Celeste.
Somerville foi admitida por sociedades científicas de vários países. Foi
a primeira mulher a ser admitida na Sociedade Real Inglesa de Astronomia, e a
Sociedade Real Inglesa de Ciências chegou a mandar fazer um busto em sua
homenagem e expô-lo no hall do prédio. Entretanto, ela nunca pôde vê-lo, já que
mulheres não podiam entrar no prédio dessa Sociedade!
O restante de sua vida, ela continuou produzindo artigos científicos de
alto nível. Seu tratado "As conecções com as ciências físicas" foi publicado em
1834 e bastante elogiado pelo físico Maxwell, descobridor das leis do
eletromagnetismo. John Couch, o descobridor do planeta
Netuno, atribuiu as primeiras noções que ele teve da existência desse planeta a uma
passagem que ele leu na sexta edição desse livro.
Nos seus últimos anos de vida, escreveu suas
memórias, reviu um manuscrito sobre seu trabalho "Diferenças finitas" e quando
morrreu, aos 92 anos de idade, no dia 29 de novembro de 1872, ela estava
analisando um artigo sobre os quatérnios, um novo tipo de conjunto no espaço
quadrimensional que aparece na Álgebra Abstrata.
Séculos
XIX...
No final do século passado, à custa de árduos esforços, as mulheres
começaram a estudar Matemática regularmente em algumas universidades e a obter
os primeiros graus de Doutoras em Matemática Aos poucos os preconceitos foram
sendo quebrados
Entre as mulheres matemáticas que biografamos acima e as de hoje,
matemáticas profissionais, estão duas mulheres extraordinárias que viveram entre
o final do século passado e o começo deste, verdadeiramente respeitadas como as
"primeiras" matemáticas: Sofia Kovalevsky
e Emmy Noether. Suas biografias são admiráveis. E sobre isso, esperamos
falar numa próxima vez.
Referências
Bibliográficas
[1] OGILVIE, M.B. Woman in Science - Antiquity
through lhe nineteen century.
The MIT Press, 1991.
[2]
GRINSTEIN, L.S., CAMPBELL, P.J,
(Editores). Woman of Mathematics,
a bibiographic sourcebook.
Greeuwood Press, 1987.
[3]
OSEN. L.M. Woman in Mathematics . The MIT Press, 1974.
[4] GILUSPIE, C C. (Editor). Dictionary of Scientific Biography.
Charles Scribners Sons
Publishers, 1970.
[5]
TEE, G .1 The Pioneering
Women Mathematicians. The Mathematical
Intelligencer, v. 5, n .4, 1983.
[6]
BOYER, C História da Matemática,
Editora Edgar Bludier , 1974.
[7] BUBREU.-JACUTIN,
ML Mujeres Matemática Ilustres in Las
Grandes Corrientes del Pensamiento Matemático., Editorial
Universitário de Buenos Aires, 1976.
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Daniel Cordeiro de
Morais Filho é doutor em Matemática pela UNICAMP e tem como
hobby Literatura, Fotografia e História. Nas suas poucas horas vagas, dedica-se
à história da Matemática. É professor do Departamento de Matemática da UFPB, em
Campina Grande.
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